Wilson

Fomos fazer um jogo ao Gana, eu e o meu irmão Walter estávamos a representar Angola e na altura era o Prof. Neca que estava à frente da equipa. O jogo correu dentro da normalidade, estivemos a ganhar 1-0, com um golo do Paulão, mas o Gana acabou por ganhar por 2-1, e geralmente no fim do jogo os jogadores cumprimentam-se e dirigem-se para o balneário para tomar banho e ir embora. Naquele caso foi diferente.
Cumprimentámos os jogadores adversários, o estádio completamente cheio, toda a gente a cantar, como é habitual em África nestas competições, e quando vamos a dirigir-nos para os balneários reparamos que o campo estava rodeado de polícias. De repente, sacam das metralhadoras e ouve-se aquele barulho: tá-tá-tá-tá-tá! Dá-se um silêncio completo no estádio e ficámos todos a olhar uns para os outros. O próprio público, tudo calmo, o estádio completamente calado, a antítese daquilo que estava a acontecer. Olho para o meu irmão, não percebíamos o que é que se estava a passar, e houve aquela troca de olhares do: “já fomos!”
Até que começa a tocar o hino do Gana e tudo aquilo era para o Presidente, que estava numa redoma de vidro a assistir ao jogo. Só no fim do hino é que nos deixaram sair para os balneários.
Conclusão: nesse dia, o susto foi tão grande, tão grande, tão grande que chegámos ao balneário e o Prof. Neca disse: “tomamos banho no hotel.” Ninguém tomou banho lá! Isto contado assim não tem aquele ênfase todo, mas na altura pensámos: temos sete vidas, só faltam seis! Foi uma situação muito sui generis que tem a ver com uma cultura muito própria e não estávamos à espera de uma situação daquelas, mas correu tudo bem.
Vivi outra situação que acho muito engraçada, que aconteceu comigo e com o Marinho Peres no Belenenses. Em 2001/02 estamos a fazer um campeonato fantástico, a época está a correr extremamente bem e acabamos por ir à Taça Intertoto. Ganhámos 3-2 no último jogo nos Açores, até fiz o golo, estivemos a perder 2-0. Há um jogo em casa, a umas quatro ou cinco jornadas do fim, e a coisa estava a correr bem. Como bom brasileiro, o Marinho Peres andava ali pelo balneário, sempre bem disposto, sempre a conversar, mas naquele dia não estava por ali. Ao lado havia uma sala onde davam massagens e ligavam os pés aos jogadores. Dirigi-me aos massagistas para fazer o meu aquecimento e dou com o Marinho Peres deitado numa marquesa com uma toalha sobre os olhos e outra sobre o pescoço. E estava muito branco, muito pálido. Perguntei-lhe:
– Então, mister? Está mal disposto?
– O que é que é isso, cara? Tenho a corda no pescoço. Se não ganho este jogo vou embora!
E eu assim para ele, a rir-me:
– Você está a brincar ou quê?
– Estou falando sério, cara. Eles querem ir na minha jugular! Se não ganho eu vou embora, cara. Tenho família no Brasil para ajudar!
Não liguei muito à situação. Mas lá continuou com o seu paninho sobre os olhos.
Fomos para o jogo, correu bem, ganhámos o jogo e quando íamos a descer as escadas disse-lhe:
– Pronto, mister. Já pode tirar a corda do pescoço. Já ninguém o manda embora.
Ele vira-se para mim, com uma grande lata:
– O que é que é isso, cara? Você quer mandar o seu melhor treinador embora?
Ele só disse aquilo para mexer com a parte psicológica, quis passar aquela mensagem para sermos mais solidários. Como sabia que estava a chegar a bom porto e aquele jogo era fundamental, transmitindo isto a um capitão de equipa sabia que passava a palavra aos outros. Ganhámos o jogo e ainda me veio perguntar se eu é que o queria mandar embora, porque com ele estava tudo bem. Queria era que ganhássemos o jogo e nos deixássemos de histórias.
São factos curiosos, com situações diferentes, mas com pessoas que nos marcaram, tanto no futebol de Angola como o saudoso Marinho Peres, por quem tenho grande estima.


Internacional angolano, surgiu na I Divisão com 25 anos, no Gil Vicente. Após cinco anos em Barcelos passou seis a um excelente nível no Belenenses. Terminou em 2008, no Alcobaça. Facebooktwitterlinkedinmail

2 comentários sobre “Wilson

  1. Lembro-me muito bem da estreia do Wilson no caldas(com mais alguns malandrecos da praia”petana,luis vasco,Walter,marinho”tudo grandes craques

  2. Belas histórias das muitas que os jogadores teem para contar !! Algumas se fossem contadas , morriam de vergonha ou talvêz não !!

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