Angola é um país que tem muito para contar. No primeiro dia, ao chegar tive logo o impacto daquilo que me esperava. Fui daqui com alguns jogadores, como o Firmino, o Mangualde e o Edson, a equipa técnica era portuguesa. O treinador era o Formosinho, que neste momento está com o Mourinho no Manchester United. Chegámos em Janeiro, com um calor insuportável, 43/44 graus em Luanda. Aterrámos por volta das sete da manhã, mas como levávamos muito material médico, medicamentos, fitas e tudo isso, fomos logo parados na alfândega e fomos obrigados a ficar cerca de quatro horas à espera que o médico conseguisse uma autorização, quando na verdade era o presidente ou um dos directores pagar a chamada gasosa para poderem libertar todo aquele material.
Então nós, jogadores, tivemos de ficar à espera no aeroporto, cá fora, e a minha experiência ao sair foi que mal a porta abriu senti um calor que não se aguentava! Eram umas 11 horas quando conseguimos sair do aeroporto de Luanda.
Entretanto tínhamos lá o nosso autocarro, onde encontrámos os restantes jogadores da equipa, que estavam à nossa espera, para nos levar para o Huambo, que era onde ficava o nosso clube, o Recreativo da Caála. Só que era um autocarro velho, sem janelas, sem ar condicionado e estavam 44 graus em Luanda! E a viagem ia ser de cerca de dez horas porque, infelizmente, as estradas não estão desenvolvidas, não há auto-estradas, é só uma via com duas faixas estreitas que, pelo caminho, tem partes que estão completamente destruídas e o autocarro tem mesmo de sair por fora da estrada para poder passar.
Fomos na nossa caminhada, os jogadores sem t-shirt, todos a morrer de calor, só com o tecto de abrir aberto, a passarmos ali um calor infernal e, depois de umas sete horas de viagem, o autocarro avaria no meio do nada! Em Angola as cidades são muito longe umas das outras e entre elas é praticamente só mato. Fomos obrigados a esperar por outro autocarro, pensávamos nós, mas estávamos à espera de um mecânico para resolver a avaria. Nisto chegaram umas carrinhas que nos levaram para um restaurante de uma pequena cidade a uns 30 quilómetros, onde ficámos mais cinco horas à espera. Entretanto o mecânico não conseguiu resolver o problema, como é óbvio, e teve de vir outro autocarro. Esse também não tinha ar condicionado, mas pelo menos já tinha janelas.
Seguimos viagem, muito mais devagar porque ficou de noite e era escuro, não havia iluminação e a estrada continuava esburacada em muitas partes, tinha de haver muita cautela, e íamos a uns 50 km/h. Portanto, saímos de Luanda às 11 horas e chegámos a Caála por volta das quatro da manhã. Levaram-nos para o hotel do clube, tinha sido construído há uns três anos. Fomos direccionados para os nossos quartos e queríamos tomar banho antes de dormir, porque estávamos, como é óbvio, todos suados. Só que… não havia água!
Aquela zona de Angola foi uma das mais afectadas pela guerra, era onde morava o Savimbi, o líder da oposição, então não havia água potável, era do poço. Eles tinham uma bomba para levar a água para um tanque, que ficava em cima do hotel, só que uns dias antes de chegarmos a bomba avariou-se, então às quatro e tal da manhã quem quisesse tomar banho tinha de ir buscar baldes para ir ao poço do hotel buscar água para poder tomar banho com uma caneca! Enquanto um despejava a água da caneca, outro estava a lavar-se e depois trocávamos.
Tudo isto foi logo à chegada e foi das coisas mais caricatas que vivi em Angola. Tudo o que podia acontecer de mal foi logo no início: a corrupção, o calor, a falta de água…. Foi um “Bem-vindo a Angola, é isto que vais apanhar nos próximos dois anos!”.
Tenho mais uma história vivida na Arábia Saudita que na altura acabou por correr o mundo. Foi num jogo contra a actual equipa do Jorge Jesus, o Al Hilal. Jogava no Al-Batin, estávamos em terceiro lugar e fomos jogar à casa deles, em Riade. Se ganhássemos passávamos para o primeiro lugar e era uma coisa inédita para um clube pequeno que tinha subido de divisão no ano anterior. Era um jogo muito importante para nós e seria um feito enorme, só que, infelizmente, as equipas grandes são sempre favorecidas pelos árbitros e há campeonatos em que isso se nota mais.
Comecei no banco, mas o mister Quim Machado chamou-me para jogar os últimos quinze minutos. Estávamos empatados 1-1, também não era um mau resultado, e o árbitro sempre a empurrar-nos para trás, sempre a marcar faltas e a complicar-nos a vida, até já tinha marcado um penalty que o nosso guarda-redes acabou por defender. Depois houve este lance comigo: estava no meio-campo, disputei uma bola no ar com um colega e um adversário, entretanto a bola sobra. Ao sobrar, vou a dar um pique só que o árbitro vem na direcção contrária, a andar de costas, não me viu e acabou por tropeçar na minha perna. Acabei por ficar com a bola e já ia seguir em frente, mas o árbitro levantou-se e marcou falta. Nós não percebemos por que é que parou o jogo, mas ele vem directo a mim e dá-me um cartão amarelo. Disse-me que o rasteirei de propósito! Além de me ter dado amarelo, marcou falta para a equipa adversária….
Acabámos por perder aos 95 minutos com um golo em fora-de-jogo, quando o árbitro tinha dado quatro minutos de descontos. Depois a bola já nem foi ao meio, apitou logo para acabar. Já era esperado.
Essa situação foi muito falada e, depois desse jogo, a Federação saudita começou a recrutar árbitros estrangeiros e todos os sauditas foram para a segunda divisão. Nunca mais apitaram jogos do campeonato da primeira divisão.
Aos 29 anos, o médio do Fafe tem larga experiência no estrangeiro com passagens pelos campeonatos de Malta, Angola, Letónia e Arábia Saudita.