Ribeiro Cristóvão

Estive dois meses no México, no Mundial de 1986, a trabalhar para a Renascença. Fui com a Selecção, que foi a primeira a chegar ao México, uns 20 dias antes de começar o Mundial, e depois fiquei até ao fim do campeonato, até ao jogo da final entre a Alemanha e a Argentina. Só vim no dia a seguir à final. Estive em Saltillo, Monterrey, Guadalajara e na Cidade do México.
Já passaram 32 anos e as memórias começam, cada vez mais, a esbater-se, mas de qualquer modo ainda me lembro daquilo que foi para mim uma enorme alegria porque era a primeira vez que estava num Campeonato do Mundo com a participação da Selecção portuguesa. Já tinha estado no Mundial de 1982, aqui ao lado, em Espanha, mas Portugal não esteve presente. Estava bastante satisfeito por isso, com uma grande expectativa, ainda para mais porque o campeonato se realizava num país tão distante como era o México, onde, de resto, se realizava o Mundial pela segunda vez, depois do primeiro se ter realizado em 1970. E tinha uma particular curiosidade em saber como era o México, em saber como a vida no México era diferente da nossa. E era, realmente. Fiquei a gostar de tal maneira do México e dos mexicanos, sobretudo, que dois anos depois voltei lá para passar férias.
Ainda hoje tenho uma memória excelente do México, embora o país tenha sofrido enormes transformações com os cartéis de droga e a violência associada, que na altura não havia e fazia do México um país muito mais sossegado do que é agora. Foi uma experiência interessante do ponto de vista social. Do ponto de vista desportivo, em relação à Selecção Portuguesa, nem tanto, porque a Selecção Portuguesa participava num Campeonato do Mundo 20 anos depois de ter estado no Mundial de 1966 e entendia que era uma excelente oportunidade para o futebol português se projectar a nível mundial e para que alguns jogadores portugueses, e tínhamos muitos de qualidade, também pudessem tornar-se mais conhecidos a nível internacional.
Infelizmente, a participação da Selecção Portuguesa não foi muito famosa. Houve problemas que já existiam à partida da Selecção aqui de Portugal, problemas mal resolvidos que depois acabaram por descambar no próprio México e que se tornaram problemas que envolveram algum escândalo. Creio que a principal razão terá sido o facto de os jogadores quererem uma comparticipação dos lucros com a publicidade e a Federação não ter dado o seu consentimento para que tal acontecesse. Houve também uma discussão muito grande à volta dos prémios, uma grande discrepância entre aquilo que os jogadores pretendiam e o que a Federação queria dar. Mas creio que esse aspecto devia ter sido menos relevante, o desportivo era muito mais importante porque eu entendia que os jogadores participavam, todos eles, pela primeira vez num Campeonato do Mundo e deviam aproveitar essa oportunidade sobre todas as outras coisas. Mas os jogadores resolveram dar destaque a questões que não tinham nada a ver com o jogo em si, com a participação portuguesa, e depois aconteceu aquele escândalo que todos conhecemos.
Não tenho dúvidas de que aquilo que aconteceu no México teve também conotações políticas. Na altura estávamos ainda em pleno PREC, Processo Revolucionário Em Curso, em que a esquerda tinha uma forte influência sobre a sociedade, e naturalmente que o futebol não escapava a isso. Houve realmente também uma forte intromissão da política em tudo o que aconteceu em Saltillo. Relembro, por exemplo, que o primeiro fax de apoio à luta dos jogadores que chegou ao México foi de Manuel Alegre, um homem claramente de esquerda, e tudo isso deu um cariz político aos acontecimentos que não foram nada recomendáveis e que acabou por terminar daquela forma lamentável que, ainda hoje, é comentado nos mais variados tons.
Claro que há quem diga que foi também um bom começo para o futebol português, no sentido de provocar uma certa revolução, mas entendo que os aspectos que prejudicaram a Selecção Portuguesa foram muito mais evidentes do que propriamente os aspectos positivos.
Um dos episódios que recordo tem a ver com o Bento. Quando fui para o México ia com um pé partido e levava muletas. Entretanto a lesão ficou boa e deixei de utilizar as muletas. Quando o Bento tem a infelicidade de partir a perna emprestei-lhe as muletas e ele acabou por trazê-las para Portugal. Fala-se muito da desorganização, mas a Federação também não tinha de ter umas muletas lá. Tratava-se de uma emergência e, havendo as minhas disponíveis, não havia nenhuma razão para grandes admirações. Mas a organização revelou grandes deficiências. O campo onde a equipa treinava ao lado do motel La Torre, em Saltillo, era inclinado, não havia adversários para a Selecção Portuguesa defrontar em jogos de preparação, o que fez com que fosse necessário arranjar equipas de última hora, com jogadores pouco recomendáveis. Houve, de facto, várias peripécias nesse Campeonato do Mundo.
E as condições de trabalho dos jornalistas também foram especiais. Tínhamos sete horas de diferença para Portugal por isso tínhamos de enviar as notícias no máximo até à meia-noite de lá, que eram sete horas de cá. Essa diferença horária começou por perturbar o ritmo de trabalho, mas depois também nos adaptámos e as coisas tornaram-se muito mais fáceis de ultrapassar.


Locutor desde 1958, pela Rádio Renascença criou programas como Bola Branca e deixou a sua marca também na RTP, apresentando programas clássicos como Domingo Desportivo ou Remate.

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Um comentário sobre “Ribeiro Cristóvão

  1. PREC?! Era 1986, não 1976.
    Estava em acção o décimo governo constitucional e o primeiro-ministro era Aníbal Cavaco Silva.
    Não percebo esse ressabiamento anti-esquerda.
    Publicação infeliz.

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