Pires

Em Angola, logo quando cheguei ao aeroporto, pude ver toda aquela pobreza e foi um choque. Já contava com isso, mas viver aquela realidade é diferente. Cheguei a Luanda, que é um caos em termos de trânsito, e levaram-me para o hotel. Dali fomos para o Kilamba, uma cidade construída pelos chineses que fica a 30 kms e era perto dos campos de treino. Era aí que ficava com o Oliveira, o Braga e o nosso fisioterapeuta, os portugueses do Benfica de Luanda. Isso ajudava a passar aqueles momentos menos bons.
O peculiar disto tudo é que tínhamos de tomar banho com água engarrafada. Não havia água quente, a água falhava muitas vezes, e já sabíamos que uma garrafa de litro e meio dava para tomar banho. Quando havia água enchíamos garrafões, garrafas, tudo! Era complicado tomar banho de água fria e quando chegávamos ao campo tínhamos de nos equipar em contentores. Nem posso contar brincadeiras de balneário porque não tínhamos balneário! Havia lá um duche no contentor, mas era um depósito de água. Às vezes acabava e tinha de vir o camião para encher. Mas não havia grande convívio também por isso. Era chegar lá, equipar, treinar e ir para a casa. Praticamente era isso. É uma realidade diferente, mas tínhamos de nos habituar, era a realidade do país. Sei que agora o Benfica de Luanda tem outras condições, já tem um centro de estágio. Agora é totalmente diferente.
Há duas ou três equipas que têm boas condições, como o Libolo, o 1.º de Agosto ou o Petro. Mas mesmo assim são condições básicas, não são como os luxos que temos aqui. Há equipas que já estão com boas estruturas, acho que está a evoluir.
Para irmos de Kilamba a Luanda eram umas três horas de táxi, era um trânsito infernal mesmo. Quase três horas para Luanda, íamos lá ao banco, mais outras três para casa. Era um dia só para isso. E sempre que éramos mandados parar pela polícia tínhamos de dar alguma coisa. Quando é de manhã eles até dizem que é para o mata-bicho. Querem algumas kwanzas para tomar o pequeno-almoço. “Não tens aí uma gasosa?”, era assim que perguntavam.
Acabou por ser positivo porque ganhámos a Taça de Angola e ficámos no melhor lugar do clube. A nível desportivo foi interessante. Havia outra coisa curiosa: antes de entrarmos para o campo o capitão reúne-se com os árbitros. Ele faz a chamada e nós temos de mostrar as caneleiras, a camisola de jogo e as unhas. Se tiveres as unhas grandes não podes jogar! E em todos os jogos toca o hino de Angola, é curioso.
Também vivi coisas boas, mas há outras que só vendo é que se tem noção das diferentes realidades. Mesmo a nível de alimentação era muito diferente, eles comem muito funge. Era engraçado: íamos para estágio, eles comiam bem e iam para a cama a seguir. E acordavam às 5h30, 6h00. Estavam habituados àquela rotina desde pequenos. Para nós, europeus, é diferente.


Formado no SC Braga, o goleador do Portimonense recorda a sua única passagem pelo estrangeiro, quando disputou o Girabola pelo Benfica de Luanda. Facebooktwitterlinkedinmail

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2 comentários sobre “Pires

  1. Porra Pires. Que raio de contrato negociaste com os Angolanos? Kilamba???? Até o Akwa vivia num hotel!! Kilamba é bairro social meu kamba!

  2. O meu bem haja ao Pires que já admirava pelo seu trajecto no futebol, hoje, mais ainda pela coragem em denunciar aquilo que muitos jamais seriam capaz de o fazer.

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