Fui craque dos pelados, onde as feridas doem mais fundo e onde ninguém se atirava para o chão, durante mais de uma década. Quando jogava no Clube Caçadores das Taipas, ainda no escalão de juvenis, tinha como grande referência o gigante Fernando Redondo, mágico trinco (posição que eu ocupava na maioria das vezes) do Real Madrid e da selecção argentina. Procurava, como qualquer miúdo, imitá-lo em tudo dentro de campo. Mas houve um dia em que levei longe de mais essa imitação.
Conta-se em poucas palavras: domingo de manhã, jogo decisivo em casa, casa cheia, aquela ansiedade que só quem já viveu a adrenalina de um balneário em dia de jogo conhece. Até aí tudo bem. O pormenor: no dia anterior havia estado, atentamente, a ver mais um jogo do meu ídolo e decidira, numa daquelas deliberações que só os adolescentes conseguem tomar, imitá-lo em tudo – até, imagine-se, no pé preferido para jogar. Isso mesmo: no jogo seguinte, decretei com gravidade de mim para mim, só iria usar o pé esquerdo para jogar – eu, que sou destro sem remissão.
Assim foi: desde o primeiro minuto, sempre que a bola me chegava aos pés, eu era o Fernando Redondo dos pequeninos, puxava a bola para o pé canhoto e siga. Até livres directos quis marcar assim. Conclusão: pouco depois da meia hora de jogo, placa levantada com o meu número e lá foi o Fernando Redondo de trazer por casa para o balneário, cabisbaixo e triste. Só não sei como é que o treinador aguentou tanto tempo sem me tirar de campo. Obrigado, mister.
Apresenta-se como “um gajo que escreve cenas”, das quais pelos vistos muita gente gosta. Veja-se o exemplo de “Prometo Falhar”, que vai na 33ª edição, um total de 145 mil exemplares. “Envelhenescer” é o seu livro mais recente.