Nelson Nunes

Nunca fui lá muito convencional no gosto pelo futebol. As memórias aparecem-me à frente como se fossem fragmentos de um álbum de fotografias rasgado em pedaços. Devo ter despertado para a arte de dar pontapés certeiros numa bola aí pelos meus seis ou sete anos, com as partidas a que o meu padrasto assistia com afinco. Via-o sempre torcer pelos clubes mais fracos – menos quando jogava o Sporting. Nesses dias sacros, o verde era a equipa que tinha de vencer. De resto, era vê-lo bater palmas por um Salgueiros ou um Belenenses. Provavelmente, foi essa idiossincrasia do meu padrasto que me tornou num homem-sem-terra no que respeita à defesa de cores clubísticas.
Tamanha confusão consegue perceber-se se vos contar que, quando cumpri o meu nono aniversário, pedi que o bolo tivesse o emblema do Benfica e, de presente, implorei por um belíssimo relógio de pulso do FC Porto. Bebia futebol sem que os clubes me importassem. Depois, a pergunta fatídica dos mais velhos: “és de que clube?” E eu respondia, com um orgulho desmesurado: “sou de todos”.
O meu amor pelo futebol sempre se prendeu mais com a modalidade dentro das quatro linhas do que propriamente com os valores alegadamente representados pelos emblemas. Para mim, os momentos marcantes não são este ou aqueloutro campeonato alcançado pelo Benfica, pelo Porto, pelo Sporting ou pelo Arrentela. Não: as minhas memórias de sempre são a final da Liga dos Campeões entre o Bayern de Munique e o Manchester United, em 1999 (Peter Schmeichel passou a ser uma santidade para o meu cérebrozinho, desde então apaixonei-me pela baliza e nunca joguei, entre amigos, em nenhuma outra posição), o Portugal-Inglaterra do Euro 2000 (e do Euro 2004, pois claro) ou o FC Porto vs. Braga, na final da Liga Europa, em 2011.
Creio que hoje continuo a ser “de todos”, apesar de ter uma simpatia sportinguista, por afinidade familiar. Mas quantas e quantas foram as vezes em que preferi assistir ao Benfica de Jorge Jesus ou ao FC Porto de Villas-Boas em detrimento do fraquito Sporting de Domingos Paciência ou de Franky Vercauteren. Hoje, continua a ser assim: posso ir, com gosto, a Alvalade ver a turma leonina (também se vêem lá bons jogos, já agora: aquele Sporting vs. Braga da época passada, que os homens da casa venceram por 3-2, depois de estarem a perder por 0-2, foi magistral), mas também posso dar um pulo ao campo do 1º de Dezembro, em Sintra, ou recordar com saudade a final da Liga dos Campeões feminina, entre o Wolfsburgo e o Tyerso (um jogão que terminou 4-3 para as alemãs), que vi bem perto de Pierluigi Collina, em 2014, no Estádio do Restelo.
Acho que posso dizer que amo o futebol na mesma medida que desprezo a clubite, e não tenho pruridos em dizer que essa é uma virtude que falta a todos, com relativa frequência.


Jornalista e escritor, publicou “Quando a Bola não Entra”,  um livro ligado ao futebol, entrevistando depois as principais figuras da comédia nacional, que reuniu na obra “Com o Humor Não se Brinca”.

Foto:  Vitorino Coragem Facebooktwitterlinkedinmail

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3 comentários sobre “Nelson Nunes

  1. Clubes fracos “Salgueiros” e “Belenenses”… Se o primeiro é um histórico, o segundo conta com uma Loga, 3 Campeonatos de Portugal e 3 Taças de Portugal no currículo pede-se mais RESPEITO!

  2. Neste momento nutro tambem pela ausencia de clubite ,e tudo por culpa das claques,dirigentes,comentadores desportivos,amores odios,sençacionalismos,arbitragens compadrios,jogos arranjados,jogos comprados etc etc é uma vergonha o futebol nacional
    não merecia tanta afronta e tanta asneira que pactuar com todos que nomeei se torna tempo perdido.Tenho dito

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