Tenho uma história, que na altura não achei graça nenhuma, um pouco caricata. Em 1992, tinha feito uma época muito boa no Feirense, emprestado pela Académica. O treinador era o Henrique Nunes, tinha lá o Pedro Martins, o Rifa, o Pedro Miguel, que agora também é treinador… Tínhamos uma boa equipa, uma equipa jovem, fizemos uma boa temporada e fui um dos melhores marcadores da II Liga.
Devido a isso, o Manuel Barbosa, que na altura era o melhor agente em Portugal e um dos melhores da Europa, resolveu comprar o meu passe. Na altura ainda se podia fazer isso. Comprou o meu passe à Académica e foi quando aconteceu uma situação, muito divulgada na altura. Ligou-me durante as férias e disse-me que ia jogar no Bordéus. Eu estava a vir da II Liga, do Feirense e ele a falar-me do Bordéus. Lembro-me de lhe perguntar três vezes se ia à experiência e ele, sempre com aquela maneira sui generis que tinha: “Na, na, comigo não há experiência. Os namorados é que fazem experiências, comigo não há disso.” Pronto, muito bem.
Entretanto, antes de viajar para Bordéus, até me apareceu em casa a RTP. Fizeram uma reportagem comigo porque na altura era raro haver jogadores portugueses no estrangeiro. Fiz a mala, para quase meio ano, a pensar que ia viajar de avião e aparece-me o Manuel Barbosa com o carro dele, que era uma grande máquina, um BMW 850 CSi. Era um maquinão, ainda por cima azul bebé, chamava muito a atenção. Em Lisboa toda a gente conhecia o carro do Manuel Barbosa. Ganhou o carro numa aposta com o Bernard Tapie depois de levar o Mozer para o Marselha. Disse-lhe que se fosse campeão naquele ano queria um carro igual ao dele. O Marselha foi campeão e o Tapie deu-lhe o carro. Então estava à espera de ir de avião para Bordéus mas fomos de carro.
Despedi-me da minha família, dos meus pais, que estavam em Aveiro, e lá fomos na grande máquina dele. Na altura, a estrada não era nada de especial. Até chegar a Vilar Formoso eram quase três horas, não existia a A25. Fizemos a viagem até Salamanca, onde dormimos, e ele ia colocando várias cassetes. Não havia carros com CDs, estamos a falar em 1992, e as cassetes tinham entrevistas que ele dava a falar sobre o Valdo, o Ricardo Gomes, o Aldair, o Mozer, todos esses grandes jogadores que ele representava. Fui para aí três horas a ouvir as cassetes dele e dizia-me: “Ouve o que eu vou dizer agora do Mozer! Ouve o que eu vou dizer agora do Valdo.” Para mim foi uma comédia, não é?
Chegámos a Salamanca, dormimos lá e no dia seguinte fizemos a viagem directa para Bordéus. Até fiquei no aeroporto porque íamos fazer o estágio para Aix-les-Bains, perto da fronteira com a Suíça. Ele foi-se embora e fiquei ali sozinho. Falava alguma coisa de Francês, do que tinha aprendido no liceu, conseguia comunicar, e foi quando o director desportivo me disse: “tu vas essayer.” Aí caiu-me tudo, percebi que ia mesmo à experiência. O que é que o Barbosa me foi fazer? Criou aquele enredo todo como se estivesse tudo finalizado, eu à espera de assinar contrato e afinal fui para estágio à experiência.
Estive lá duas semanas com a equipa do Bordéus e vi logo que era uma qualidade acima da média, uma equipa fabulosa. Estava o Dugarry, o ponta-de-lança, o Lizarazu, que foi campeão do Mundo, e tinha acabado de chegar um jogador, vindo do Cannes, que era nem mais nem menos do que o Zidane. Comecei a ver aqueles meninos a jogar e pensei: “Não, isto aqui é outro nível.” Ah, e o Barbosa também tinha levado para o Bordéus comigo o Márcio Santos, o central que depois foi campeão do Mundo pelo Brasil em 1994. Aquilo era uma qualidade mesmo fora-de-série. E pronto, foi normal, estive ali duas semanas, até fiz um jogo particular contra o Auxerre, que me correu bem, mas disseram ao Barbosa que queriam um jogador mais feito. É normal, mas para ser estrangeiro tinha de ser um jogador que fizesse a diferença e eu naquela altura, obviamente, não fazia.
Voltei e acabei por assinar pelo Gil Vicente, que estava na I Divisão. Depois fiz duas épocas no Tirsense e na segunda fiz muitos golos. No final dessa temporada fui um dos melhores marcadores da I Divisão e fomos fazer um torneio em Paris. Era o Tirsense, o Saint-Étienne e o Leiria. Fiz um grande golo contra o Saint-Étienne e quem estava na bancada era o Toni, que era o treinador do Bordéus, e a imprensa francesa perguntou-lhe:
– Há uns anos o Marcelo esteve à experiência no Bordéus. Você quer levá-lo agora?
E o Toni respondeu:
– Pois, nessa altura podia ter ido para o Bordéus, agora já não é fruta para o nosso bico.
E passado duas ou três semanas assinei pelo Benfica. Isto dá muitas voltas. É uma história curiosa, um pouco dramática para mim, estava a contar assinar um contrato e afinal quando cheguei lá era para ir à experiência. Foram situações do Barbosa, que Deus o tenha, mas era um agente muito sui generis, tinha a sua maneira de trabalhar e às vezes as coisas davam certo.
Apontou 17 golos pelo Tirsense e assinou pelo Benfica, que ajudou a ganhar a Taça de Portugal de 1995/96. Depois jogou em Espanha e em Inglaterra antes de terminar na Académica.