Num dos mais curtos peladuchos de Gaia, um livre a meio do meio campo transforma-se facilmente num livre à entrada da área. Dali quem marcava era o Edgar. Mas devia estar castigado ou magoado ou então, mais provável, teria sucumbido aos muitos encantos que um sábado à noite pode trazer a um adolescente de 17/18 anos. Peguei na bola com vontade e foi tudo perfeito. Crestuma 0 – Arcozelo 1. Não adianta procurarem. Não está no YouTube. Mas é uma pena. O momento mais alto (de caras o único, também) na minha felizmente curta carreira ao mais baixo nível.
Nos jogos seguintes, em todos os treinos queria repetir aquele momento. Mesmo que não o conseguisse aperfeiçoar, ao menos repeti-lo uma vez mais. Nunca o consegui. Não daquela forma. Fechava os olhos, concentrava-me. Olhava o ângulo da baliza, olhava o guarda-redes. Pensava num estádio cheio, num campo relvado, num jogo do FC Porto. Imaginava os festejos, via-me a levantar uma taça. Pensava num lugar bonito, numa coisa bonita, numa rapariga bonita. Nem assim. No fundo eu queria saber o que me ia na cabeça naquele momento. Tantas vezes ouvimos essa pergunta ser feita: “o que lhe passou pela cabeça no momento do golo, do passing shot derradeiro, daquele triplo?” Nunca a resposta pareceu ser convincente.
Num texto onde o norte-americano faz saber o quanto odiou a biografia da tenista Tracy Austin, Foster Wallace discorre sobre esses momentos de decisão. Diz ele “A verdadeira resposta, por baixo de múltiplos véus, à questão de saber o que passa de facto pela cabeça de um grande jogador quando se encontra no centro do ruído de um público hostil e se prepara para o cesto da linha de lance livre que decidirá a partida poderá muito bem ser: absolutamente nada.” Parece a mais simples e desoladora mas é também a mais convincente de todas. A mim, nunca me aconteceu. Bem, talvez uma vez. E não chega nunca para ser grande.
Tem na Antena 3 a sua segunda casa, mas também entrou na dos portugueses quando deu a cara por Top+. Na TV apresentou ainda Novos Autores, em conjunto com Henrique Amaro, na RTP2.
arcozelo 🙂 gaiense de gema! e um grande radialista! keep on!