José Rachão

Há duas histórias que se passaram comigo no Académico de Viseu, uma como jogador e outra como treinador, que acho que são bastante giras. A primeira como jogador. Estávamos a disputar o campeonato, na altura na I Divisão, e substituíram o treinador. Veio um argentino, até recomendado pelo Di Stéfano, chamado Gustavo Silva. Uma das coisas que ele fez logo foi colocar os jogadores a treinar por turnos. Aqueles de quem ele ouvia dizer que levavam uma vida menos boa como profissionais de futebol colocava a treinar logo às oito da manhã. Passado uma hora chegava outro grupo com oito ou nove jogadores e depois o último grupo. Resumindo: eu, durante quase duas semanas, era sempre escolhido para o grupo das oito da manhã. Já estava em brasa! Não podia ser, tinha de pôr fim àquilo.
Um dia cheguei a casa e disse à minha esposa para no dia a seguir me acordar às 7h40. E assim foi. Acordou-me e disse-me:
– Não vais ter tempo para chegar ao treino.
– Deixa isso comigo.
Levantei-me, vesti um casaco de cabedal que tinha comprido até aos pés, calcei os chinelos, bebi um copo de leite e arranquei. Cheguei ao treino e estava ele sentado com os outros jogadores à minha espera. Tirei o casaco para o guardar no vestiário e quando a malta me viu de pijama começou tudo a rir. Ele viu aquilo, virou-se para mim e disse-me, em espanhol:
– Pedreiro que é pedreiro, levanta-se às seis da manhã e ganha muito menos.
Eu já estava em brasa e ele ainda por cima a chamar-me pedreiro. Respondi:
– Se eu sou pedreiro então você é o mestre de obras. É o chefe dos pedreiros.
– Está suspenso!
– Olhe, ainda bem. Vou dormir, que já há muito tempo que não consigo.
Curiosamente, a seguir jogávamos com o Benfica em casa. Era um jogo muito importante e depois houve muita conversa à volta disto. Felizmente, para mim, passado pouco tempo ele foi-se embora. Foi um episódio caricato, giro, mas até hoje não sei que informação é que ele tinha sobre mim para me estar a fazer aquilo.
Mais tarde, como treinador do Académico de Viseu, estávamos na II Divisão e na última jornada do campeonato de 1990/91 só dependíamos de nós. Tínhamos de ganhar em Espinho para subir à I Divisão. O treinador do Espinho era o Manuel José e tinham uma grande equipa. Pressionámos, rematámos, mas não conseguimos chegar ao golo. O guarda-redes deles era o Pudar, depois foi para o Boavista. Empatámos 0-0 e nos altifalantes começaram a dar os parabéns ao Académico de Viseu por termos subido. O Torreense estava a jogar na Maia. O treinador do Torreense era o Manuel Cajuda e do Maia era o Nicolau Vaqueiro. Havia 2-2 e a nós chegáva-nos o empate. Foi uma loucura! As pessoas entraram em campo, festejaram, levantaram-me no ar, andaram comigo ao colo… Quando estava no ar, isto é verídico, o médico, o Dr. Fernando Santos, infelizmente já falecido, chegou ao pé de mim com o rádio na mão, já passavam uns sete ou oito minutos desde que o nosso jogo tinha acabado, e diz-me:
– Ó mister, foi golo do Torreense!
Mas o mais grave é que foi um central do Maia que marcou um golo na própria baliza! Grande bronca! E perderam 3-2. O que é que acontece? A malta quando ouviu aquilo atirou-me para o chão, foi-se tudo embora e fiquei sentado no relvado a chorar. História impressionante. O árbitro desse jogo na Maia foi o António Rola.
Dois anos depois, estava na Académica, jogo com o Desportivo das Aves em casa na penúltima jornada, com o estádio cheinho, cheinho. Se ganho esse jogo subo de divisão e calha-me o António Rola para apitar. Nem um computador chinês de alto gabarito conseguia fazer uma nomeação tão bem feita! O resultado repetiu-se: 0-0. Depois perdemos na última jornada em Castelo Branco e não subimos de divisão. Perder uma subida de divisão assim é muito triste. Mas isto também é o futebol, faz parte da vida. Acontece.
Por isso é que eu digo que o Vítor Oliveira é um grande campeão porque não é fácil. Tive mais histórias deste género. Não é fácil subir de divisão, principalmente na parte final dos campeonatos. Mas esta história é muito gira e ainda hoje toda a gente fala sobre isto na cidade de Viseu.


Foi um médio aguerrido com muitas épocas na I Divisão e em 30 anos como técnico conseguiu vários títulos, entre os quais a Taça de Portugal conquistada pelo V. Setúbal em 2005. Facebooktwitterlinkedinmail

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3 comentários sobre “José Rachão

  1. Se deixo: Antes demais excelente esta história, histórias que os média deviam explorar pois esta malta com suas histórias podia e muito contribuir para que os jovens de hoje entendessem que nem tudo é mau no nosso futebol, em vez de andarem por aí alimentando-se e alimentando uns em prejuízo de outros com atropelos ao fair play; Depois apenas para lembrar os mais incrédulos, em especial os benfiquistas que o AD foi cirúrgico e direccionado e este António Rola entre muitos outros é a prova provado do que afiança, haviam nesse tempo duas fracções de controladores do futebol português, as do Norte e as abaixo do Mondego com as do norte levando vantagem simplesmente porque tinham melhores equipas.Perguntem ao Rachão. O resto é treta.

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