O Benfica foi jogar com o Lokomotiv de Moscovo, naquela altura o treinador era o Paulo Autuori, e estava um frio desgraçado. Estava neve e até tiveram de jogar com aquela bola alaranjada. Eu trabalhava para a TSF e o Jorge Perestrelo foi lá fazer o relato. Eu e os restantes jornalistas já estávamos no estádio e aconselhava-os a beberem vodka para não arrefecerem, mas ninguém queria. Chegou a determinada altura, era tanto frio, que não resistiram e pelo menos um calicezinho ou dois mandaram abaixo porque era a única forma de aguentar aquele frio! Quando estava frio era terrível jogar e estar a ver jogar nas bancadas. Isso aconteceu várias vezes, as equipas portuguesas irem lá jogar e passarem um bocado complicado.
Sempre que lá ia uma equipa portuguesa era uma coisa curiosa e interessante. Tinha sempre aquela atitude de “eu apoio esta equipa” ou a nossa Selecção, quando era o caso, e havia sempre uma boa relação com os jornalistas. Procuravam-me sempre para ajudar a traduzir o que fosse preciso ou para ajudar no que fosse preciso, mas é uma coisa que acho normal. É a solidariedade profissional que acho que deve existir entre nós, principalmente quando se está num país no qual não se conhece a língua. Acho isso normal, não tem nada de extraordinário.
No ano em que o FC Porto ganhou a Liga Europa, com o André Villas Boas como treinador, até tenho lá em casa uma camisola autografada pelos jogadores todos que depois me mandaram, aquilo foi engraçado. No fim do trabalho, depois do jogo com o Spartak de Moscovo, um grupo de jornalistas pediu-me para irmos todos jantar a um restaurante. Ainda se juntaram adeptos do FC Porto, éramos quase 50 pessoas. O grande problema foi no fim porque cada jornalista queria uma factura para pagar as despesas. Epá, aquilo foi um teatro desgraçado para convencer o dono do restaurante a passar tantas facturas separadas! Havia sempre esse problema quando íamos comer fora.
Antes, com os russos do Benfica, também tive alguma ligação. Falava-se que vinham para cá e tal e tive acesso a documentos que mostravam que de facto eles vinham mesmo. Eram aquelas situações a que um jornalista está atento. Tentamos sempre estar um passo à frente em relação aos outros e às vezes conseguia. Nessa altura, quando o Benfica contratou o Ovchinnikov, até tive acesso a um fax que mostrava que vinha outro russo, só que, entretanto, acabou por não vir.
Quando somos correspondentes, quando trabalhamos num determinado país, não podemos ser só correspondentes políticos ou de uma determinada área. Temos de ser multifacetados porque somos de um país pequeno e isso para mim era interessante. Interessava-me por futebol naquele tipo de “vem aí uma equipa nossa”, mas havia momentos agradáveis: quando ia entrevistar o Danny, o Maniche, aquelas histórias todas do Costinha, que ia de chinelos para o treino e recusava-se a obedecer ao treinador… Depois foi-se embora da Rússia por causa dessas confusões com o treinador. E eu ia acompanhando sempre os jogos, sabia alguma coisa de curioso e isso era das coisas que gostava de fazer e fiz muitas vezes.
A primeira grande levada de futebolistas portugueses na Rússia terminou mal, foi uma experiência má. Aqueles nomes que singraram foram o Danny, que fez uma brilhante carreira no Zenit, foi uma pena que as lesões o tenham feito perder agora o Campeonato do Mundo, por exemplo, o Neto deixou lá uma boa imagem tal como o Bruno Alves, que é meu conterrâneo. Aliás, o Neto ainda é meu parente, somos primos afastados. O pai do Milhazes, lateral esquerdo que esta época esteve no Varzim, é segundo primo da minha mãe. O Salvador Agra também é Milhazes e também somos parentes afastados.
Sou de uma zona de onde saíram grandes futebolistas. Sou da Póvoa, mas cresci nas Caxinas. Lembro-me do André, o pai do André André. O pai dele andava com o meu no mesmo navio de bacalhau. O Paulinho Santos ainda é meu parente afastado, o Postiga era vizinho da minha irmã e lembro-me bem do pai do Bruno Alves, o Washington, a jogar no Varzim.
E encontrava-me com alguns quando iam jogar à Rússia porque havia esse factor de sermos conterrâneos. Aconteceu várias vezes. Ainda no outro dia, isto não vi, contaram-me, o Postiga foi ao 5 Para a Meia-Noite e alguém se lembrou, a falar do Campeonato do Mundo, de levar uma vodka e meteram-lhe o nome de Milhazes. E o Hélder Postiga lembrou-se logo: “epá, o Milhazes é da minha terra!”.
Jornalista, historiador e tradutor, hoje é comentador político da SIC, Antena 1 e Observador. Natural da Póvoa de Varzim, partiu em 1977 e tem vasta obra publicada.