Como dirigente do FC Porto durante cerca de 15 anos, tive naturalmente momentos marcantes e inesquecíveis. Nenhum, porém, como a final da Taça dos Campeões Europeus da época 1986/1987, que o Porto foi jogar a Viena, no Estádio do Prater, em 27 de Maio de 1987, onde perante 62 mil espectadores o FC Porto bateu o poderosíssimo (já o era) Bayern de Munique, conquistando o primeiro dos muitos troféus internacionais do clube.
Foi uma época brilhante na prova rainha da UEFA, naquela altura apenas acessível aos clubes que na época anterior tivessem vencido a principal competição nos seus países. Daí que apenas 31 clubes, na qualidade de campeões nacionais, tivessem acesso à 1.ª eliminatória da principal competição europeia. Depois de ultrapassar o Rabat Ajax, de Malta, o FC Porto eliminou o Vitkovice, da então Checoslováquia, o Brondby, da Dinamarca e o Dínamo de Kiev, da então União Soviética, na altura considerada a mais forte equipa da Europa, sem conhecer a derrota, apenas empatando um jogo.
Mas a história desse jogo começou para mim alguns dias antes. Alarmados com a tragédia que havia ocorrido dois anos antes, no Estádio Heysel, na Bélgica, aquando da final da mesma competição disputada entre o Liverpool e a Juventus, na qual, fruto do hooliganismo, dezenas de adeptos italianos foram literalmente esmagados contra as grades por ingleses armados de barras de ferro, tendo provocado 39 mortos e centenas de feridos, a UEFA passou a adoptar rigorosas medidas de segurança, após haver decretado a suspensão dos clubes ingleses de todas as competições europeias durante cinco anos. Além da total separação dos adeptos, da proibição do consumo e venda de bebidas alcoólicas dentro e num perímetro do estádio, do controle de entradas e das buscas corporais, a UEFA exigiu a participação dos clubes finalistas na adopção, implementação e fiscalização dessas medidas.
Embora já tivesse participado em 1984 na final da Taça das Taças, o FC Porto não tinha experiência na organização desses eventos, pelo que foi com surpresa que recebeu o pedido de nomear um delegado de segurança para o jogo. A pedido do então Director do futebol, Luís Teles Roxo, eu aceitei tal designação e desloquei-me com alguns dias de antecedência para Viena onde participei diariamente em diversas reuniões com o Comité Executivo da UEFA, a Federação Austríaca de Futebol e o meu colega alemão.
Desde logo surgiu um grande problema, relacionado com a separação dos adeptos. Semanas antes, a UEFA distribuiu por ambos os clubes um número igual de bilhetes para os respectivos sectores. O FC Porto decidiu adoptar o critério de vender apenas dois bilhetes a cada sócio, após a sua prévia identificação. Sucedeu, porém, que começaram a chegar notícias de que esses bilhetes, exclusivamente destinados a adeptos do FC Porto, eram posteriormente revendidos, principalmente a portugueses emigrantes na Alemanha ou países fronteiros e estes, por vezes, tornavam a vendê-los a adeptos alemães, fruto da enorme procura que se verificava, dada a proximidade entre Munique e Viena, cerca de 300 km.
Não era minimamente possível ao FC Porto evitar tal situação, já que só vendia os bilhetes aos sócios do clube e em número máximo de dois. Não era esse, no entanto, o entendimento de parte dos responsáveis da UEFA e, sobretudo, da Federação Austríaca, que nos acusavam de “candonga”, com o objectivo de ganharmos dinheiro com essa operação. E de nada serviam as permanentes explicações dadas por mim e pelo clube de completo alheamento de tal situação e de total incapacidade para lhe pôr cobro. O ambiente nessas reuniões passou a ser de permanentes discussões entre mim e os demais presentes, principalmente com os austríacos, os quais não conseguiam esconder um forte sentimento de xenofobia. Mesmo a grande maioria dos dirigentes da UEFA, com excepção do então presidente francês Jacques Georges e do português Dr. Silva Resende, adoptaram uma atitude profundamente hostil.
Incapaz de suportar tal pressão que aumentava de dia para dia, bem com das graves acusações que se sucediam, que tiveram o seu pico durante o fim de semana, contactei o FC Porto na manhã da segunda-feira anterior ao jogo, tendo ficado decidido suspender a venda dos bilhetes, aproximadamente cinco mil. Quando anunciei essa decisão, o ambiente não melhorou minimamente, com graves e sucessivas insinuações sobre a nossa seriedade. Foi então que o secretário-geral da Federação Austríaca, com extraordinárias parecenças com o Hitler, me questionou, em tom desdenhoso, sobre quais as razões da nossa presença em Viena. Já bastante nervoso, respondi, nas três línguas utilizadas, que “estamos aqui para jogar a final e para ganhar.” Confesso a minha enorme surpresa, para não dizer irritação, perante as estridentes gargalhadas que ecoaram naquela enorme sala do hotel e que pareciam não ter fim. Levantei-me e abandonei a reunião e só mesmo a atitude do Sr. Presidente da UEFA me convenceu a lá voltar nessa tarde e no dia seguinte.
Sem embargo, reconheço que era esse o sentimento que perpassava por todo o lado, com particular destaque na comunicação social estrangeira, na qual era dada a imagem do pequeno David perante o enorme e poderoso Golias. E nem a premonitória vitória que a equipa dos jornalistas portugueses, na qual participei, conseguiu na manhã do dia da final perante a sua congénere alemã atenuou o prognóstico, posteriormente celebrizado pelo então capitão da equipa do FC Porto nesse dia, João Pinto, de que a única dúvida era saber por quantos iríamos perder.
Durante o jogo, bem, durante o jogo, o “impossível” aconteceu, sobretudo naquela segunda parte que, mais do que contá-la, eu desafio todos a verem-na ao vivo. Foi emocionante. Foi heróico. Foi épico. E eu que passei a maior parte do jogo no campo, mesmo junto aos intervenientes, pude testemunhar ao vivo a surpresa e incredulidade estampada nos jogadores alemães durante e após o final do jogo. E também a dos dirigentes uefeiros, alemães e austríacos, com quem me cruzei nos balneários. Sobretudo com aquele simpático e afável secretário-geral, a quem dirigi algumas palavras que, de todo, não posso reproduzir.
Para terminar: o meu prémio foi ter a suprema honra de figurar na fotografia oficial do final do jogo, juntamente com aqueles heróis, jogadores, técnicos e dirigentes, que por aquela “obra valorosa” ficarão para sempre na história do FC Porto e do futebol português.
Vice-Presidente do F.C. Porto até 1995 e posteriormente Diretor da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, é comentador no programa “O Dia Seguinte” desde o seu início, em 2003.
Realmente para um Portista mais atento é um lapso ou erro. Também não gosto de ver incorreções:
Porto 10–0 Rabat Ajax 9–0V 1–0V
Vítkovice 1–3 Porto 1–0D 0–3V
Porto 2–1 Brøndby 1–0V 1–1E
Porto 4–2 Dínamo de Kiev 2–1V 2–1V
Final FCPorto – Bayern Munique
Kögl 24′
Madjer 79′
Juary 81′
Manuel Abreu, sou sócio do FCP há mais de 30 anos. Não gosto de erros na História do meu clube. Não precisamos deles.
Para estes dois artistas que comentaram, dor de cotovelo é lixada…
O FCP perdeu 1 jogo nessa caminhada para a final ao contrário do relatado. 1-0 na Checoslovaquia.
Este pseudo politico, nem é carne nem é peixe. O que quer é taxo.