O jornalismo dá-nos o melhor da vida: histórias. As minhas começaram no Restelo, a acompanhar o Belenenses treinado pelo Marinho Peres, na viragem do século. Tive sorte. O Belém é um clube de afectos e tinha uma equipa gira, cheia de figuraças, mas nenhuma mais colorida que a do treinador. De repente, a meio da época 2000/01, há uma “sarrafusca” e eu metido ao barulho. O problema era… testicular.
Um dia, o Marinho não apareceu no treino da manhã. Todos perguntámos o que se passava depois dos trabalhos, à porta do departamento de futebol. Enquanto os jogadores saíam, o Marinho aparece… com um andar novo. Vinha num caminhar canejo, lento e a vestir calças de fato de treino. Perguntámos o que ele tinha – estava eu, como sempre, ao serviço de O Jogo, e o Tiago Gama, que trabalhava n’A Bola, que alternava a malta que enviava ao Restelo. “Cara, ‘tou fudido’”, disse o Marinho de voz dorida, e nisto ele abriu o elástico da calça e sacou logo ali da “aparelhagem”. A visão não era bonita. Um dos testículos do Marinho virou um tubérculo, de tão inchado que estava. Soltámos um “eiiicchhh” e ele lá foi ao departamento médico. Pela ternura que o Marinho incutia, a malta dos jornais combinou utilizar eufemismos clínicos para justificar a ausência do treinador, que iria prolongar-se. Dois dias a seguir à “amostragem” do “mister”, liga-me o António Tavares-Teles. Colaborava no meu jornal e queria falar com o Marinho, de quem era amigo desde que o sempre bem-disposto brasileiro viera treinar para Portugal, ainda nos anos 1980. Passei-lhe o número.
No dia a seguir, era a rotina do costume. Ver o treino da manhã no campo secundário depois de tomar o pequeno almoço no bar que lhe era fronteiro, onde hoje está a Petisqueira Matateu. Mas antes de ali haver o Matateu, naquela manhã o petisco dos sócios ia sendo eu. Quando subo a rampa para os “bons dias” folgazões do costume, a brigada de sexagenários que placidamente via os treinos ao nosso lado caiu-me em cima numa fúria de infernos. Vociferavam todos os insultos. “Vai gozar com os tomates do teu pai”; “Já não há respeito”; “Foste tu que contaste, meu cabrãozinho”; “A malta trata-te bem e tu fazes esta merda”; “Se voltas cá a meter os calcantes, sais daqui marreco”. Isto foi do mais educado que me lembro de ouvir. Desci até ao meio relevo do Pepe e ia para dentro do carro na clara intenção de me pôr ao fresco quando os outros jornalistas vieram ter comigo. “Pá, ó Filipe, viste o que saiu no teu jornal???”, perguntaram-me com pena alheia. Claro que ainda não tinha visto e devia ter calculado. Puro e desbroncado, o Marinho tinha contado ao Tavares-Teles como estava do tomatal e ele, velha raposa, não sentiu ali nada em “off” e é como diz o povo: toma lá que amanhã já não há. O Tavares-Teles fez uma laracha do género “para estar no Belém era preciso ter tomates”… Uma coisa assim. Sobrou para mim, claro. Antes que me raspassem do chão – um sócio mais exaltado queria mesmo voltar a atiçar tudo contra mim – fiz como o Mazzola e dei à sola. A Carla Pereira, que, pelo Record, estava diariamente comigo no Restelo e era uma boa amiga, passou-me depois o que se tinha passado no treino. À tarde, enquanto eu me convencia que voltar ao Restelo era abreviar a existência, ligou-me o saudoso Jaime Monteiro, uma pessoa maravilhosa e meu vizinho. Garantiu-me que tinha acalmado o pessoal, que ninguém me ia fazer mal e podia voltar ao Belenenses à vontade. Na retranca, lá voltei, mas os mesmos sócios que me queriam ver hospitalizado no dia anterior deram-me palmadas nas costas, reconheceram que a culpa não era minha, pediram desculpas e até me pagaram o pequeno-almoço. Tudo sanado.
Depois até fui com a Carla visitar o “mister” ao hospital. Ele foi operado e acabou por voltar ao activo sem mais problemas. Passado um tempo, o Marinho perguntou-me que cena tinha sido aquela que se passou comigo quando ele esteve doente. Contei-lhe a história, ele explodiu a rir e saiu-se com uma das suas: “Pô, garoto, da cintura para baixo eu sempre arrumei confusão.”
Começou n’A Bola Magazine. Ali trabalhou entre 1998 e 1999. Está desde janeiro de 2000 n’ O Jogo, onde hoje cumpre funções de editoria.
pois. antónio tavares teles é sinónimo de confusão e corrupção.