Houve um episódio que me marcou muito na minha passagem por Portugal. Nós estávamos concentrados já no hotel antes de um jogo contra o Portimonense e ligaram-me da minha casa a dizer que o meu filho mais novo, o Vinícius, estava nas urgências do hospital.
Desci, já de madrugada, foi por volta da uma da manhã, e estava a haver uma reunião entre os directores e o treinador. Eles olharam para mim, estranharam ver um jogador acordado àquela hora, e perguntaram-me o que estava acontecendo. Eu falei que o meu filho estava muito mal no hospital e que tinha de sair. O treinador, era o Burkinshaw, naquela fleuma inglesa, disse que não, que não podia sair. Respondi: “então o senhor me tira da concentração, me tira da equipa. Eu vou até ao hospital ver o meu filho.”
Aí o massagista foi comigo até ao hospital. Cheguei lá e o meu filho estava deitado numa laje, praticamente parecia um boneco jogado lá. Cheguei no ouvido dele e falei assim: “meu filho, se você abrir os olhos o papai vai fazer um golo.” Ele aí abriu os olhos e olhou para mim. Fiquei muito feliz!
Fui para o jogo com o Portimonense e Deus me deu a alegria de ter feito um golo e de ter cumprido a promessa que fiz ao meu filho. É uma situação difícil para um atleta, ver o filho ou qualquer familiar num estado complicado e ter de entrar em campo, mas foi uma situação que marcou a gente, que teve um final feliz. E foi um golo bonito, nos jornais dizia que tinha sido um golo antológico. Foi uma situação muito interessante. Ele era muito pequeno, nem se lembra dessa situação, mas já adulto ele falou: “pôxa pai, muito legal aquilo que o senhor fez.” Nós, jogadores, muitas vezes não temos a noção de determinadas situações, mas cumpri o meu papel primeiro de pai e depois de atleta correcto como fui sempre no Sporting e nos clubes por onde passei. E joguei muito bem aquele jogo. Tem coisas que nos impulsionam, seja o jogo que for.
Também recordo com saudade a Taça de Portugal conquistada pelo Estrela. Ninguém acreditava que o pequenino Estrela da Amadora pudesse chegar a uma final. Fomos ganhando, ganhámos aqui, ganhámos ali, e houve um jogo que fizemos antes de jogar com o Guimarães, no campo do Marco, que era num alto e era muito gozado porque se a bola saísse do campo caía na ribanceira! Mal começou o jogo fizemos o 1-0. O campo era tão pequeno que foram 90 minutos de sufoco, foram precisas umas sete ou oito bolas para se jogar! Teve um momento em que fui marcar um pontapé de baliza e parecia que tinham botado uma bola de pelado para jogar porque parecia que não conseguiam pegar mais bolas, de tantas bolas que nós, do Estrela, chutámos para fora.
Na final contra o Farense, o João Alves concentrou a equipa a semana toda. Ficámos presos aquela semana no hotel lá no Estoril e só vínhamos para o Estrela para treinar e voltávamos para o hotel. A gente quase perdeu a final contra o Farense. No segundo jogo, ele tinha alguns desfalques na equipa e disse: “agora acabou a concentração, a gente só vai concentrar um dia antes e vamos deixar vocês à vontade.” No jogo, o Paulo Bento acertou um bonito remate. No segundo foram três toques: pontapé de baliza que eu bati, cabeçada do Baroti e a finalização do Ricardo.
Infelizmente, o nosso Estrela não existe mais. É uma dor que a gente tem, mas tenho a certeza que esses adeptos que hoje querem retomar o Estrela da Amadora vão conseguir. A gente acredita muito nisso.
Campeão pelo Fluminense, em Portugal representou Sporting, E. Amadora, Ovarense e Portimonense. Agora é treinador e no ano passado foi campeão estadual de Espírito Santo pelo Rio Branco.