Ao longo da minha carreira como jogador conheci e passei bons momentos com muitos “cromos da Bola”, como gosto de nos chamar, quer seja presidente, director, treinador, jogador, técnico de equipamentos ou mesmo adeptos. Foram muitas as histórias que encontrei. Presidentes que para não enfrentarem os jogadores em dia de pagamento diziam que tinham tido acidentes nas portagens e que não poderiam ir à reunião. Treinadores que na brincadeira com os atletas fracturaram duas costelas. Ou que por ser supersticioso não deixava o autocarro do clube andar de marcha atrás! Como colegas vi de tudo. Lembro-me de um que num exercício de corrida abrandou o ritmo porque dizia que já ia com a pulsação muito acelerada segundo as contas dele. Contava ao mesmo tempo os segundos e as batidas do coração sem sequer ter um relógio para ajudar! Os roupeiros têm todos muitas histórias e normalmente são uma das alegrias do balneário mas eu tive um massagista que era surdo de um ouvido e do outro quase que também não ouvia. As guerras todos os domingos com os árbitros eram inevitáveis e quase sempre de ir às lágrimas de tanto rir! Um dos médicos que tive era narcoléptico e desde adormecer no consultório dele a meio de uma consulta a adormecer no banco no meio do jogo, com ele nada era monótono. Em Moscavide tínhamos uma claque que levava festa por onde passava e tinham músicas que todos mais tarde ou mais cedo passavam a cantar por serem fantásticas e alegres! Quer nós ganhássemos ou perdêssemos os jogadores estavam sempre convidados para o convívio depois do jogo. Que claque fantástica mesmo…
Mas a história que gostava de contar passou-se no Belenenses no ano em que fomos campeões da II Liga e chegámos à meia final da Taça de Portugal. No início da temporada, quando chegaram 22 jogadores novos ao clube, nada faria prever que seria uma época memorável… Tudo começou com o “estágio” nos fuzileiros, desde que chegámos e formámos. Na revista com os cães foi encontrada liamba no cesto do Tiago Caeiro, claro que foi colocada pelos próprios fuzileiros, mas iniciámos logo aí o “terrorismo psicológico” que faz parte do team building que os fuzileiros propõem. A primeira tarde/noite foi muito tranquila apesar de termos trabalhado muito para conseguirmos marchar em uníssono porque o castigo quando não conseguíamos era “empurrar o Mundo” e tudo servia para nos tornarmos os melhores empurradores do Mundo. Chegada a hora de irmos dormir foram criadas três equipas que ficariam nos quartos e serviriam para futuras provas. Na despedida foi-nos dito que teríamos de estar às 7h00 prontos para a corrida matinal, isto com a dificuldade acrescida de não termos relógios, telemóveis e afins. Aquela primeira noite seria top não fossemos acordados ao som de várias metralhadoras nos quartos, fumos e alarmes 45 minutos depois de adormecermos. A minha dificuldade em me levantar era acrescida porque o meu colega Luís Zambujo estava abraçado a mim em cima da cama e gritava: VAMOS MORRERRRRR, VAMOS MORRERRRR! O pânico de todos era total e o Zambas estava louco!!!
O pior era que tínhamos 2 minutos para estar no pátio em formatura e quando os formadores chegaram ao pé da equipa não havia um jogador igual ao outro: uns equipados, outros só de calções com t-shirt, outros sem… Tudo menos uma equipa a sério. Depois de vários castigos e várias tentativas lá conseguimos chegar à formatura todos iguais e os quartos bem arrumados. Nessa noite ainda conseguimos dormir mais uma hora mas não antes de termos rastejado por túneis, marchado até não sentirmos as pernas e empurrado o Mundo vezes sem conta!
No segundo dia lá estávamos nós a tempo e horas na formatura, com os quartos arrumados e limpos. O dia foi muito longo. Começou com uma corrida matinal, seguida de ginásio e, depois de termos montado os barcos de borracha, remámos pelo rio Tejo até não sentirmos os braços! E na chegada ao ponto de partida, depois de lavados os barcos, fomos fazer o mergulho da praxe para relaxar em que todos estavam entusiasmados, menos um que não sabia nadar e estava com medo. Depois de muita coragem e uma grande superação conseguiu fazer o mergulho e travessia entre margens do rio! No final foi uma grande festa. A seguir ao almoço, depois de muito esforço físico e muito poucos minutos de sono, tivemos uma aula teórica sobre alguma coisa que provavelmente ninguém se lembra porque entre os que ficaram de pé para não adormecerem e os mortos vivos que estavam sentados conseguimos sobreviver à experiência. O resto da tarde foi passada com mais exercícios físicos e estratégicos em grupo. Na verdade, os “cromos da Bola” surpreenderam as altas patentes com a sua forma de pensar e executar os exercícios e até ao jantar o tempo passou literalmente a correr. A noite foi passada em missão na Mata da Machada e depois de mais umas horas em exercícios físicos e psicológicos os três grupos juntaram-se num só que não escapou a um “ataque” com supostamente gás, que obrigou todos a pôr as máscaras e procurar um lugar seguro. Como alguns foram capturados, formámos uma equipa de resgate e fomos à procura deles. No fim tudo acabou bem e lá dormimos mais uma hora até sermos outra vez acordados ao som de metralhadoras, gritos, fumos, luzes, e mais uma vez o meu grande amigo Zambujo em cima de mim a gritar: “AHHHHHHHHH, VAMOS MORRERRRRR…”
Na manhã do último dia fomos experimentar a famosa pista de lodo e, se à entrada já éramos uma equipa, quando sem sequer nos pedirem juntámo-nos em grupos para arrastar os três “feridos” pela pista com todas as dificuldades inerentes à mesma, percebemos que ali tinha sido formada uma verdadeira família…
“Se fosse fácil estariam cá outros” acompanhou-nos nos 96 pontos e recorde da II Liga, nos 22 jogos consecutivos sem perder e nos muitos problemas que existiram e foram completamente ultrapassados em conjunto por todos nós!
Após quatro anos no Belenenses passou dois na II Liga, no Olhanense e no Atlético, antes de terminar a carreira no Verão de 2016. É administrador executivo da SAD do Lusitano de Évora.
Grande Relato. Deviam passar todos pelos Fuzileiros e por Lamego. Passavam-lhes muitas moléstias!
Excelente relato!!! Muito bom mesmo!! Se nao é o melhor deve figurar no TOP 3. Obrigado pela partilga car Duarte Machado.