Estive na Luz, na final do mundial de sub-20 em 1991. Que honra, não é? Tinha 6 anos, adormeci e não me lembro de nada. Eu sei, absurdo.
Como tantos putos da minha geração, o meu sonho era ser jogador de futebol. Guarda redes, no caso. Naturalmente, aproveitei umas captações e fui jogar para um clube perto de casa. Fiz a formação no Pescadores da Costa da Caparica, numa equipa que tinha como craque um tal de Vestre. Hoje, Silvestre Varela. Estávamos a disputar o campeonato regional de Setúbal. Não havia nacional nos Infantis. Partimos para a penúltima jornada da fase final com dois pontos de desvantagem para o super favorito Vitória de Setúbal, equipa que receberíamos nesse fim de semana. Marcámos um golo aos 10 segundos numa jogada estudada de saída que resultou pela única vez naquele dia. Defendemos o jogo inteiro e ganhámos por 1-0. Levei bolada o jogo todo, eles mandaram bolas ao poste, mas no final corremos que nem loucos pelo campo a festejar a liderança no campeonato com um jogo apenas por disputar. Na última jornada íamos jogar contra Os Pelezinhos, equipa que estava na última posição da tabela e tínhamos goleado na primeira volta. O Vitória de Setúbal venceria, certamente, o seu jogo, mas bastava que confirmássemos a nossa superioridade contra o último classificado para ganhar o campeonato. Pouca coisa poderia correr mal.
Contudo, no dia do jogo, com a equipa já a caminho de Setúbal, o autocarro do clube avariou. Morreu. Ainda se arrastou até uma área de serviço, mas já não havia nada a fazer. A carrinha era mesmo muito velha e apenas o esforço constante de uma vasta quantidade de deuses mantinha aquele chaço em funcionamento ano após ano. Os deuses, fartos de empurrar aquela lata podre, decidiram abandonar-nos no dia mais importante da época. O clube não tinha mais carrinhas disponíveis e a hora do jogo aproximava-se perigosamente. Depois de uma temporada impressionante com uma percentagem de vitorias perto dos 100%, estávamos na iminência de perder o campeonato por falta de comparência. Absurdo. Faltar ao jogo estava simplesmente fora de questão. A solução encontrada foi encaixar os 11 titulares no carro de um adjunto que seguia atrás de nós. Os suplentes não cabiam, logo se via como se fazia com eles. 12 pessoas viajaram naquele carro até Setúbal. O adjunto ao volante e 11 putos encaixados uns nos outros. Já não me lembro se nos equipámos na área de serviço ou se ainda tivemos de carregar os 11 sacos com equipamentos e as bolas para o aquecimento. Sei que chegámos amassados, mas a tempo da partida. O resto do pessoal apareceu já em cima do apito inicial. Ganhámos 3-1 e fomos campeões. Já não sei como é que voltámos de Setúbal.
Na condição de adepto do FC Porto, faço questão de levar a camisola do meu clube quando vou à Luz ou a Alvalade. Estupidamente, isso é visto por alguns doentes da bola como uma provocação. Apesar de não esconder as cores do meu clube, sou obrigado a ficar alerta, não vá algum idiota querer partir-me a boca só porque eu prefiro os meninos que jogam de azul. Na última vez que fui a Alvalade, já no final da partida, oiço gerar-se um burburinho algumas filas atrás de mim. O jogo tinha terminado 0-0, mas percebi que, por estar rodeado de adeptos rivais, se estava a criar um ambiente pouco confortável para a minha integridade física. Ignorei os vários “ei! ei, tu! ei…” e continuei a olhar em frente. Nisto, sinto que os gritos se tornam cada vez mais nítidos. Noto que se estão a aproximar de mim, oiço um cavalgar nas minhas costas que vai ganhando intensidade com o avançar do gorila sobre mim. “Pronto, vou ter que andar à porrada, era o que me faltava.” Sempre concentrado em não olhar para trás, sinto um encontrão nas costas:
– Olha…
– Que foi?
– És o Batáguas da Super FM? Oiço-te todos os dias.
– Epá, porreiro. Amanhã mando-te um abraço na emissão.
– Ganda Batáguas! És o maior.
O meu apelido denuncia-me facilmente e esqueci-me que o tinha estampado nas costas da camisola. Apanhei um cagaço do caraças. Julguei que ia levar nos cornos.
Locutor na rádio Super FM e stand-up comedian em ascensão, estará no dia 25 com Manuel Cardoso, Rui Cruz e Paulo Almeida no Teatro do Bairro, para uma Overdose de Tourette.
Boa noite. Bataguas é nome de família? De que zona do país? Obrigado
Almada