Quando estava no Gil Vicente, na II Divisão, trabalhei com o mister Álvaro Magalhães. Vivia muito os jogos, corria de um lado para o outro, não conseguia parar. Estava sempre em acção. Eu já tinha saído, estava no banco. Estávamos a ganhar um jogo, não me lembro contra quem, faltavam para aí dez minutos, e tínhamos um jogador chamado Rodney Strasser, um médio defensivo, no banco. Ele tinha passado pelo AC Milan, tinha ganho o scudetto. Fez poucos jogos mas esteve lá, e veio para Portugal para tentar relançar a carreira.
O mister, do nada, vira-se para o banco e diz:
– Rodney, vai aquecer que vais entrar.
E o Rodney, que não falava português, respondeu:
– Mister, você já ha cambiato três, não posso entrar.
E o mister pôs-se quase de joelhos, com as mãos juntas, e a rir-se:
– Desculpa, Rodney! Desculpa!
Achámos muito engraçado, fartámo-nos de rir no banco. Ele estava tão dentro do jogo, a emoção é tão grande, que nem se lembrava que já tinha feito todas as substituições.
Tenho outra que acho muito curiosa. Estava na Oliveirense com o mister João de Deus, na Segunda Liga. Era um treinador muito organizado, gostava que os jogadores cumprissem com tudo o que dizia, e lembro-me que nós, os extremos, eramos obrigados a estar na zona de penalty quando houvesse um cruzamento do flanco contrário. E eu estou mentalizado para cumprir seja com o que for.
Num jogo, tivemos uma jogada do lado esquerdo, pelo meu lado, houve um cruzamento e a bola sobrou para o lado direito. Dessa mesma jogada houve outro cruzamento do lado direito e, por acaso, a bola sobrou na zona de penalty só que eu não estava lá. Tinha acabado de fazer a jogada, não sei se estava cansado, mas não fiz aquele sacrifício de ir para o meio.
No dia seguinte, o mister quis mostrar-me um vídeo. Estávamos sozinhos. Mostrou-me aquele lance e disse-me que podia ter entrado facilmente naquela zona. E acrescentou:
– A jogada estava do teu lado e a bola foi para o lado direito. E antes do cruzamento do lado direito passaram 14 segundos. 14! Tinhas tempo suficiente para chegares à área e muito provavelmente fazias golo.
Depois de me mostrar o vídeo levou-me para o campo. Só eu e ele. Fomos para a zona onde iniciei a jogada e depois para onde fiquei parado. E ele assim:
– Vou marcar o tempo e vamos ver se em 14 segundos chegamos à zona de penalty.
Fomos caminhando juntos, a uma velocidade normal, e acho que nem dez segundos demorámos. E o mister:
– Agora imagina se fosses a trote. Chegavas em cinco ou seis segundos. E finalizavas a jogada: táááu!
Achei muito engraçada a forma como ele me mostrou e foi uma lição.
Tenho outra história de quando estava no Académico de Viseu, na época passada, com o grande mister Cajuda. Ele tinha chegado há pouco tempo ao clube e fomos ganhar 5-1 ao Benfica B, num grande jogo. Foi um jogo muito intenso e desgastante. Depois regressámos a Viseu e começámos logo a treinar porque tínhamos jogo contra o Nacional.
Lembro-me que estava muito desgastado do jogo, da viagem, de tudo. Não tive tempo suficiente para recuperar, mas tivemos logo treinos em cima de treinos. Sentia-me mesmo cansado, estava exausto. Sabes quando queres e não consegues? Precisava mesmo de recuperar. Também nunca me poupo, treino sempre intenso, mas aquela semana começou assim.
Passados dois dias já se sabia quem ia jogar. Pelos exercícios percebia-se qual era a equipa que ia jogar. E ele tirou-me da equipa. Achei estranho. Tinha marcado dois golos e tinha feito uma assistência contra o Benfica e ia ficar de fora. Mas pronto. E o mister não me passava cartão. Sabes o que é não passar cartão? Não me falava. Passava e nem olhava para mim! Sabia que ele me adorava, gostava muito de mim, e do nada isto. Fiquei preocupado: sabia que não ia ser titular e pus-me a pensar se tinha dito alguma coisa que não devia, se tinha feito alguma coisa errada dentro ou fora de campo…. Passa-te tudo pela cabeça, não é? Um jogador pensa o real e o surreal!
Antes de irmos para o jogo, naquele treino mais soft, mais com lances de bola parada e coisas assim, o mister chamou-me e disse-me que tinha tido aquele comportamento de propósito, até falou isso à frente da equipa, porque não tinha gostado do meu primeiro treino depois do jogo contra o Benfica B e queria que toda a gente desse sempre o máximo. Depois, com o tempo, ele percebeu que eu trabalhava sempre ao máximo e que naquela semana estava mesmo exausto.
Começou-se a rir, e depois, já sozinhos, disse-me que ia jogar a titular, para ficar tranquilo e não estar preocupado. Foi muito gira a forma como ele lidou com aquela situação.
Por último, também no Académico de Viseu, tive uma história engraçada com o mister Chaló, que esteve lá antes do Cajuda.
Fomos ganhar 1-0 a Famalicão, com um golo meu de pontapé de bicicleta. Tinha sido um jogo importante na época anterior, acho que precisavam mesmo de ganhar, sei que aquele jogo foi como se fosse um derby. E era um jogo importante para nós, estávamos a lutar para subir. E ganhámos 1-0.
O mister Chaló tinha uma forma de trabalhar em que nos mostrava vídeos motivacionais: entrávamos numa sala, onde tínhamos reuniões, e ele tinha uma coluna enorme. Mas mesmo enorme, aquilo podia dar para uma festa! E tinha aquela cena como se fosse um DJ, para medir o volume e isso. Sentávamo-nos, ele tinha uma mesa à frente e era muito engraçado: subia o volume, quando era uma parte motivacional, depois baixava quando era uma parte importante. Controlava aquilo como se fosse um DJ.
Preparava o vídeo da outra equipa, depois mostrava-nos sempre vídeos motivacionais com boas jogadas nossas, com umas frases bonitas para nos motivar, coisas assim.
Depois desse jogo, do nada, passa uma música e pensei: “esta música não me é estranha”. E pôs o volume no máximo, a sala estava a tremer! Todos a olharem uns para os outros, ninguém percebia o que se estava a passar, ninguém conhecia a música e percebi que era uma música tradicional da Geórgia para mim. Depois pôs o vídeo do meu golo de bicicleta: fiquei arrepiado, com os olhos a brilhar! Dedicou-me aquele momento e foi muito bonito e especial para mim. Foi muito engraçado.
O extremo do Chaves chegou a Portugal em 2007, com 16 anos, para jogar no Esperança de Lagos. Depois de vários anos na II Liga, regressou esta época à I Liga, onde já tinha jogado pelo Gil Vicente.
Avto, grande senhor, no futebol e fora dele. Muitas saudades deixaste em Viseu.
Abraços Av ti um grande abraço desde tempos do Gil.
Quem sabe se poderás ir ajudar o GiL na primeira na próxima época
Parabéns,
Abraços
Adorei a entrevista, é um previlegio ter Avto em Chaves