António Caetano

A primeira história que vou contar remonta aos meus tempos no Belenenses, no final da década de 90. Tínhamos uma equipa com elementos muito divertidos. Estou a lembrar-me do Rui Esteves, Calila, Lito Vidigal, Barny, malta que se relacionava muito bem e que entrava sempre nas brincadeiras.
No início da época fazíamos questão de fazer o baptismo aos jogadores que chegavam ao clube. Havia dois ou três jogadores mais velhos, ou que estavam há mais tempo na casa, que faziam o baptismo. Então e o que era? Atirar uma tampinha de água na cara dos novos jogadores. Entretanto a coisa foi crescendo. Passámos para o copo de água, passámos para a garrafa de água, passámos para a garrafa de litro e meio de água, passámos para o garrafão, todos os dias íamos aumentando, até chegarmos àquele cone sinalizador de estradas! Não são aqueles cones dos treinos. São os das estradas, que têm seguramente mais de meio metro. Tapávamos o buraco mais pequeno com a mão, enchíamos, aquilo levava uma quantidade enorme de água, e virávamos pela cabeça dos jogadores. Obrigávamo-los a mudar de equipamento, o balneário ficava alagado… Isto era feito antes do treino e criou uma situação de desespero para o roupeiro, que todos os dias tinha de dar dois equipamentos aos jogadores. O que vale é que era um gajo porreiro, o Zé Maria, um indivíduo que cantava o fado. Um gajo excelente, muito engraçado. Com o Zé Maria tudo se resolvia com um fadinho e um abraço.
Esta brincadeira dava uma gargalhada do caraças porque havia jogadores que não gostavam muito mas tinham de alinhar porque eram novos e era a praxe. Entretanto, depois de alguns dias a reinarmos com aquilo, a brincadeira acabou com uma intervenção do treinador, que era o Quinito. Uma intervenção até bastante dura do Quinito. Ele era extremamente bem disposto e até acredito que ele também quereria entrar na brincadeira. Quando viu aquilo não sabia se haveria de rir ou de chorar só que, como líder do grupo, acabou por nos dar um bronca do caraças.
Também tenho duas histórias passadas no Boavista que acho engraçadas. Foram com o Jaime Alves, o lateral direito. Um excelente jogador, de quem sou muito amigo. Viajámos de carro durante mais ou menos dez anos, vínhamos de Santa Maria da Feira para o Porto. Como tal, tínhamos, e temos, uma relação muito boa. A alcunha dele era o garganeiro. Chamávamos-lhe garganeiro porque queria meter a mão em tudo, queria ser o primeiro, enganar toda a malta e tal. Naquela altura não havia o rigor e o profissionalismo de hoje, havia muita malta que treinava sem tomar o pequeno-almoço, e no Boavista começaram a meter uma marmelada e umas bolachinhas para não irmos treinar em jejum. O Jaime, como era garganeiro, via ali aquela marmelada partida aos cubos num prato e fazia logo ali o pequeno-almoço antes do treino. A marmelada era praticamente toda consumida por ele antes do treino, ficavam dois ou três cubozinhos para depois.
Um dia, já não me lembro muito bem, não sei se foi o Casaca, se foi o Barny, alguém se lembrou de lixar o Jaime. Tínhamos lá um sabão castanho e partimos o sabão exactamente como a marmelada. Tinha sobrado um cubo de marmelada e pusemos ali mais três ou quatro de sabão. Para quem não reparasse, aquilo enganava à primeira vista. Fizemos isto antes do treino, entretanto fomos treinar. Como ele era muito garganeiro, no fim do treino combinámos todos fazer uma pressãozinha a dizer que íamos à marmelada. O Manuel José acabou o treino e começámos: “Epá, vamos para a marmelada, estou cheio de fome!” O Jaime, que estava perto da porta do balneário, ouviu, deu um pique do caraças e nós corremos atrás dele para o pressionar e nem lhe darmos tempo para pensar. Ele passou pela mesa, agarrou na marmelada toda sem olhar, como quem agarra naquelas garrafas de água nas maratonas, e meteu aquilo tudo à boca. O engraçado da história é que o Jaime ainda hesitou em meter aquilo fora ou engolir com a vergonha de ter comido o sabão! Como a quantidade de sabão era muito maior, ele não aguentou, começou a cuspir aquilo e a insultar toda a gente! Tinha o balneário todo completamente a rir. Foi uma coisa mesmo engraçada, a tanga da marmelada.
Do Jaime tenho milhentas histórias, tenho esta também muito boa. Numa célebre viagem para um jogo na Madeira, não sei se com o Marítimo ou com o Nacional, saímos do Porto e estava assim um tempo de chuva. Íamos bem agasalhados. Na altura não havia aquele fato de grupo, cada um ia conforme achava que devia de ir, e o Jaime levava um casaco de cabedal. Era feio mas, para ele, pelos vistos, estava na moda. Na altura os aviões ainda serviam as refeições com os talheres de inox, não havia talheres de plástico. Então qual era a garganeirice do Jaime? Acabavam as refeições e o gajo vinha pedir os talheres a toda a gente para levar para casa. A gente dava-lhe a faca, dava-lhe a colher, dava-lhe o garfo, então ele abarbatou ali os talheres de uns 15 ou 20 gajos.
Saímos, fomos para o hotel, lá ficámos no hotel e tal, fizemos o jogo e, como de costume, regressávamos imediatamente a seguir ao jogo para o Porto. O Jaime, talvez por esquecimento, continuou com os talheres no bolso do casaco. Um dos jogadores lembrou-se e disse: “O Jaime vai ali com os talheres, de certeza que aquela porcaria vai apitar na porta do controlo dos metais.” Então juntámos a tropa toda para ver a reacção. Ele, muito desconfiado, porque a malta não ia com ele, a desviarmo-nos e tal, lá se decidiu a passar pela porta e aquilo começou a apitar. Nós começámo-nos a esconder e era ver o Jaime a tirar os talheres todos por exigência do gajo do controlo. Essa foi monumental, com todo o aeroporto a ver o Jaime: ele tirava um garfo, ele tirava uma faca e nós todos escondidos a chamar-lhe ladrão. O gajo queria matar-nos!


Lateral esquerdo aguerrido, conquistou uma Taça de Portugal pelo Estrela da Amadora, outra pelo Beira-Mar e esteve presente numa final pelo Boavista, por quem venceu uma Supertaça. Facebooktwitterlinkedinmail

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