Miguel Guedes

No dia da inauguração do Estádio do Dragão, no mítico dia 16 de Novembro de 2003, o FC Porto jogou com o Barcelona e ganhou por 2-0, com golos de Derlei e Hugo Almeida. Quando entrou um miúdo chamado Lionel Messi, a estrear-se nesse jogo com a camisola principal do Barcelona bem à minha frente, substituindo Fernando Navarro ao minuto 75, estava longe de pensar que presenciava outro momento histórico para além da inauguração do meu estádio.
Foi um dia muito especial e que começou muito cedo. Um dia que começou na noite anterior, no Estádio das Antas. Convidaram-me para uma emissão de rádio no estádio, à penumbra, um pouco fúnebre até. Caia uma chuva muito miudinha, as luzes do Estádio das Antas estavam todas apagadas à excepção daquele foco de luz que sempre iluminava o local onde Pavão caiu para a eternidade. Foi uma emissão liderada por Álvaro Costa e com alguns portistas de sempre, como o eterno professor Hernâni Gonçalves. Recordámos os nossos melhores, mais felizes e tristes momentos, ali na noite fria do Estádio das Antas, parte da nossa infância, toda a nossa adolescência e idade adulta, tudo o que vivemos naquela superior sul e naquela bancada. Foi um momento tremendamente emotivo. Não imaginávamos que o FC Porto voltaria a jogar no Estádio das Antas, já que o relvado do Estádio do Dragão se encarregou de nos brindar com essa surpresa tempos mais tarde. Para nós e naquele momento, era a noite em que nos despedíamos, a última vez em que entrávamos naquele estádio. Saí da emissão muito perturbado, com muitas memórias subitamente recordadas naquelas duas horas. Regressei a casa a velar um estádio. No dia a seguir, fui convidado para fazer uma emissão no Estádio do Dragão para outra rádio, logo pela manhã. O novo estádio a ser inaugurado.
Nunca tinha entrado no Estádio do Dragão, nem sequer tinha passado para ver as obras. A magnificência e grandiosidade do estádio, algo que eu ainda não tinha medido. Estava com muita vontade de entrar e ver, sentir a nova casa pela primeira vez. Mas também ainda sentia muito viva aquela despedida emotiva da noite passada. Ainda estava muito presente. E quando entro naquele enorme pedaço de cimento que no exterior já é lindíssimo, ainda sem ver qualquer pessoa no estádio, saio para a tribuna de imprensa, fechada ainda, e sustenho a respiração. Entro pelo espaço largo e vazio do estádio, relvado à vista, bancadas vazias e sem ninguém. Eram 8h30 da manhã. O meu coração bateu como raras vezes bateu na vida. E não estava a presenciar um jogo de futebol, não vibrava perante um golo de uma noite europeia, nem tão pouco levantava voo vendo o Kelvin marcar no minuto 92 com milhares de pessoas a dançar na linha do horizonte. Eu estava a ver, apenas e só, o estádio vazio pela primeira vez. O meu estádio vazio pela primeira vez. E foi absolutamente comovedor.
Sei que a emoção estava profundamente ligada à noite anterior no Estádio das Antas. Foi muito forte e o meu coração descompassou. A primeira e talvez, para sempre, a única vez em que o meu coração bateu por cimento. Mas é claro que batia por muito mais do que isso.


Licenciado em Direito e vocalista dos Blind Zero, banda nascida em 1994, é ainda membro do painel do programa Trio d’Ataque, na RTP3.

Foto: Maria Noronha

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3 comentários sobre “Miguel Guedes

  1. Fenomenal…
    Sinto arrepios sempre que me lembro das Antas, sinto arrepios sempre que entro no Dragão…

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