Manuel João Vieira

Comecei a jogar futebol com seis ou sete anos, na escola, e era bastante aselha. No liceu Pedro Nunes era sempre defesa e nunca deixava passar a parte contrária. Não deixava mesmo passar. Levava botas em vez de ténis também.
Uma vez participei num jogo em que tive o melhor remate da minha história e marquei um golo sem saber como: toquei na bola, e ela, por magia, foi parar à baliza. Mas assim uma coisa completamente estranha, uma bola que foi apanhada quase a um metro e meio de altura e foi parar à baliza contrária. Foi mesmo sorte. E foi num jogo na aldeia de Anelhe, acho que entre os que viviam mesmo na terra e os emigrantes. Foi no campo da bola lá de cima, que fica no caminho para Rebordondo. Houve muitas caneladas e pronto. Na universidade ainda jogava, para aí até aos 30 anos fiz uns jogos. Agora, por acaso, não tenho feito. É complicado.
Recordo um grande derby entre o Vasco da Gama de Sines e o União Sport Clube, de Santiago do Cacém. O meu avô foi durante muitos anos director do União Sport Clube, de Santiago do Cacém. Tinha no escritório inúmeras taças, de todo o género, e inclusivamente ajudou a organizar uma volta a Santiago do Cacém em bicicleta por ocasião da visita do general Humberto Delgado nas eleições daquela altura. E, portanto, havia essa ligação.
O meu avô, de vez em quando, levava-me a ver os jogos, que eram um bocado maçudos às vezes. Eles não eram muito rápidos e aquilo parecia um bocado um jogo de ténis: a bola ia para um lado, depois ia para o outro, mas isto vagorosamente. Eu era pequeno, tinha uns dez anos, comia gelados e essas porras, e o mais bonito foi que naquele jogo, que não tinha um ritmo muito rápido, o que é que puseram no intervalo para animar? Em vez de porem aquelas meninas do futebol americano, puseram um coro alentejano, que é assim uma música bastante lenta e grave. E depois houve a segunda parte do jogo. Tempos gloriosos.
Mas eu, clubes, estive-me sempre mais ou menos nas tintas. Nunca percebi muito bem. Porque isto do União, pronto, ok, eu percebo, até sou a favor do União Sport Clube, de Santiago do Cacém, assim como sou a favor do Desportivo de Chaves porque tenho família lá de cima. Uma vez fui ver um jogo do Chaves, em Chaves, e aquela merda era incrível porque as mulheres diziam mais caralhadas que os homens. “Aquele filha-da-puta e não sei quê, anda a comer não sei quem”, fiquei vermelho a ouvir uma velhota ao meu lado a revoltar-se contra o jogo e sabia tudo da vida dos jogadores. Os homens estavam calados e a mulher comentava o jogo, a família dos jogadores, chamava-lhes nomes… Foi interessante. Acho que foi o Chaves contra o Penafiel ou uma equipa assim.
E como vivo em Campo de Ourique, acho que o clube geograficamente mais perto é o Belenenses. Aliás, até fiz lá natação, mas a única equipa que realmente me dá gozo ver jogar, porque consigo simpatizar com ela, é a Selecção Nacional.


Músico, artista plástico, actor, professor e antigo candidato à Presidência da República. Foi fundador e vocalista das bandas Ena Pá 2000, Irmãos Catita e Corações de Atum.

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