Estive no Benfica durante um ano e meio e tive o azar de ser num período de instabilidade do clube. Fui contratado pelo Vale e Azevedo, depois tive o Vilarinho e acabei com o Luís Filipe Vieira, três presidentes num ano e meio. Fui contratado pelo Jupp Heynckes, tive o privilégio de ser treinado à posteriori pelo Mourinho e depois pelo Toni, que era o treinador da campanha do Vilarinho.
A história que vou contar é relativa ao período do José Mourinho. Ele chegou numa fase atribulada do Benfica, que tinha um plantel muito limitado comparando com aquilo que é hoje o Benfica. O nosso plantel não tinha qualidade para quem quer ser campeão e a estrutura directiva também tinha as suas lacunas e falta de organização porque num clube grande é importante que haja estabilidade e força directiva. E, infelizmente, no ano e meio que lá estive, o Benfica viveu uma fase muito atribulada.
O Mourinho quando chegou era um jovem, um treinador ambicioso, com um à vontade e uma ligação muito forte com os jogadores, uma pessoa muito bem disposta, muito positiva, com muita vida, sempre muito bem humorado, muito directo naquilo que se deve ao diálogo com os jogadores, ao dia-a-dia, à palestra antes do jogo, à palestra no intervalo, quando tem de corrigir um erro incide em quem cometeu o erro e dizia “tens de corrigir isto porque senão para a semana não jogas”, e tinha sempre todo o plantel na mão. Fundamentalmente, quem não jogava sentia-se valorizado. E íamos para os treinos com paixão porque os treinos eram atractivos, feitos e criados não só para a nossa ideia de jogo mas também baseados naquilo que íamos encontrar no fim-de-semana seguinte. Então íamos para o treino completamente motivados, cheios de energia e de paixão por aquilo que era o treino em si.
E vivemos um episódio muito engraçado aquando do jogo com o Campomaiorense, para a Taça de Portugal. Na altura, o treinador do Campomaiorense era o Diamantino Miranda, que foi uma grande glória do Benfica, e nós vínhamos de uma série complicada de resultados, o Mourinho tinha acabado de entrar. Na segunda-feira que antecede esse jogo, o Diamantino dá uma entrevista polémica a um jornal desportivo na qual disse que a maioria dos jogadores do Benfica não tinha valor para lá jogar. Era o título da entrevista. Para nós, ler aquilo foi uma chapada. Ainda por cima vindo de uma referência do Benfica mas também de alguém que tinha estado no campo e sabia perfeitamente que isto magoa. Não recebemos aquilo de uma boa forma mas o momento era mau e não tínhamos grande moral para estarmos a comentar aquele tipo de declarações. Como é lógico, o Diamantino merece-nos todo o respeito, ainda por cima tinha sido meu treinador em Felgueiras. E o Mourinho também nada disse, limitou-se a fazer uma semana normal de trabalho.
Chega o dia do jogo, em Campo Maior. Chegámos ao estádio, fizemos o aquecimento e fomos para o balneário. O Mourinho bate a porta do balneário e estava lá colada a entrevista do Diamantino, não no tamanho do jornal normal mas com o dobro ou o triplo do tamanho. E disse-nos:
– Este filha da puta andou a dizer no jornal que vocês não têm qualidade para jogar aqui no Benfica. Portanto vocês agora vão lá dentro e vão mostrar a este filha da puta que têm qualidade para jogar no Benfica.
Como é lógico, aquilo deu-nos uma força e uma energia tremenda, uma vontade e uma raça que é fundamental no futebol, e isto vem definir aquela que é a mais-valia do José Mourinho: além de ser um grande treinador no campo e um grande apaixonado pelo futebol, usa a parte emocional e a motivação como ninguém. Podia ter falado logo na segunda-feira ou na terça-feira e comentado essa entrevista, podia ter respondido ao Diamantino à maneira dele, mas limitou-se a guardar aquele trunfo para a altura certa e, de facto, foi fundamental.
Acabámos por ganhar 1-0, depois o Diamantino ainda respondeu, não me lembro o que é que ele disse e para nós foi irrelevante porque ganhámos e queríamos muito ganhar aquele jogo para provar a quem tinha dúvidas que tínhamos valor para jogar no Benfica e essencialmente para ganhar ao Campomaiorense.
É uma história que jamais esquecerei, que define completamente quem é o José Mourinho e para nós foi uma experiência única.
Internacional, foi formado no V. Guimarães e jogou no Benfica antes de chegar ao Estugarda, onde foi campeão. Voltaria a sê-lo no Zenit e, lá fora, defendeu ainda Galatasaray e Zaragoza.